Apenas dois países, Afeganistão e Paquistão, ainda registravam casos da doença causada pelo vírus selvagem nos últimos anos. Aqui na região das Américas, o último caso de paralisia infantil pelo vírus selvagem foi registrado em 1991

A poliomielite é uma doença infectocontagiosa grave que provocou epidemias no mundo todo no século 20, sendo o primeiro surto registrado no Brasil em 1911. Graças aos bem-sucedidos programas de vacinação implementados globalmente, alcançando elevadas coberturas na população, a doença foi eliminada de diversos continentes. Apenas dois países, Afeganistão e Paquistão, ainda registravam casos da doença causada pelo vírus selvagem nos últimos anos. Aqui na região das Américas, o último caso de paralisia infantil pelo vírus selvagem foi registrado em 1991.

No entanto, o cenário mudou, e autoridades de saúde acenderam novamente o alerta após o registro de casos de paralisia infantil em dois países africanos neste ano (Malawi, com o registro de um caso, e Moçambique, com registro de 6 casos, ambos causados pelo vírus selvagem tipo 1). O continente africano não reportava casos de paralisia infantil há mais de 5 anos.

Além disso, os Estados Unidos registraram, no final de julho, o primeiro caso de pólio em um adulto não vacinado em uma década. Israel também reportou um caso de poliomielite em uma criança não vacinada (causada pelo vírus tipo 3, derivado vacinal) neste ano.

O vírus selvagem tipo 1, identificado nesses casos do Malawi e Moçambique, foi epidemiologicamente associado a uma cepa viral que foi identificada anteriormente no Paquistão em outubro de 2019, enfatizando a facilidade de importação de poliovírus selvagem ou de vírus derivados vacinais em um mundo globalizado, a menos que a alta cobertura vacinal (ou seja, maior que 95%) seja mantida juntamente com a investigação de todos os casos de paralisia flácida aguda.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o Brasil, ao lado de outros países da América Latina, apresenta alto risco de reintrodução da pólio em seu território, uma vez que a diminuição das taxas de vacinação durante a pandemia resultou na drástica queda de proteção da população. Desde 2016, por exemplo, a Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite não atinge 95% do seu público-alvo, valor mínimo para que o risco de transmissão seja extinto.

Os dados da campanha atual indicam a permanência desse cenário. Até o dia 16/09 — há menos de 14 dias de acabar a campanha nacional, que já havia sido prorrogada —, apenas 44% das crianças entre um e quatro anos receberam reforço da vacina. Além disso, de acordo com um estudo atual da Fiocruz, apenas duas a cada cinco crianças brasileiras estão adequadamente protegidas contra a paralisia infantil.

A queda nos índices de vacinação é preocupante. O valor abaixo de 70% coloca em risco a vida de milhares de crianças pelo país, com probabilidade real de transmissão. É um perigo que não podemos ignorar. Não à toa, o Ministério da Saúde realizou uma reunião sobre o Risco de Reintrodução da Poliomielite no Brasil, no início de setembro, na Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em Brasília, a fim de apresentar e debater ações para a manutenção da eliminação da doença, que teve seu último registro no país em 1989.

Os obstáculos a serem vencidos são múltiplos. Entre os principais motivos para o registro da queda nos números, podemos destacar: a falta de percepção de risco, já que as gerações mais jovens nunca viram um caso de poliomielite e subestimam a gravidade da doença; a disseminação de notícias falsas, especialmente em redes sociais, que contribui para a hesitação dos pais, e a falta de campanhas educativas, reafirmando a importância da vacina contra uma doença que, sem a vacinação preventiva, pode deixar sequelas graves.

Tais sequelas são variadas. Os indivíduos podem ser assintomáticos, passando por quadros similares aos gripais (mal-estar, febre e dores no corpo), mas uma em cada duzentas pessoas desenvolve a forma paralítica da doença. Normalmente, o quadro mais grave acomete crianças abaixo de 5 anos de idade e, dentro desse grupo, registra-se uma mortalidade de 10%, resultado da evolução para casos graves de meningoencefalite e do acometimento dos músculos respiratórios. A transmissão ocorre por contato direto de pessoa a pessoa, pela via fecal-oral, por objetos, alimentos e água contaminados com fezes de pessoas infectadas, ou pela via oral-oral, por meio de gotículas de secreções eliminadas pela boca.

Somente a vacinação é capaz de proteger a população contra a poliomielite. Ao se vacinar, o indivíduo não está apenas protegendo a sua saúde, mas firmando um pacto social para o bem-estar de todas as pessoas ao seu redor, eliminando o risco de ser infectado e de transmitir o patógeno.

O cenário é claro: o risco do retorno da pólio no Brasil é real. Caso a população siga desprotegida, é apenas uma questão de tempo para que o vírus volte a circular no nosso território trazendo novamente o flagelo de uma grave doença que se encontra eliminada há décadas e que é associada a hospitalizações, sequelas e mortes em crianças.

É urgente e importante garantirmos que mais pessoas tenham acesso às informações sobre prevenção, de modo a engajar a sociedade em todas as campanhas de vacinação e protegendo, principalmente, crianças e idosos. Mais do que nunca, a poliomielite precisa ficar no passado.

Artigo original em https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2022/10/5044972-artigo-o-risco-do-retorno-da-poliomielite-no-brasil-e-real.html

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