Falta de reforço vacinal pode estar impulsionando a covid-19 longa

Autor: Debby Waldman | 22 de fevereiro de 2024

No início de dezembro de 2023, Maria Maio não foi a única da firma na qual ela trabalha a ter covid-19. A diferença é que todos os outros funcionários melhoraram e ela evoluiu com covid-19 longa.

Maquiadora famosa, a nova-iorquina de 55 anos foi vacinada e tomou todas as doses de reforço disponíveis desde que as vacinas foram aprovadas. Ela cumpriu o esquema vacinal contra covid-19 do final de 2020 a meados de 2023 — quando acabou pulando uma dose do imunizante.

“Eu realmente aderi à ideia de que, se temos um sistema imunológico, ele deve trabalhar em nosso favor”, disse ela. “Foi a coisa mais idiota que já fiz.”

Maria não foi a única pessoa a ignorar a última dose de reforço: um estudo recente relatou que, embora quase 80% dos adultos nos Estados Unidos afirmassem ter recebido a primeira série da vacina anticovídica, apenas 20% estavam com os reforços em dia. Maria também não foi a única a apresentar covid-19 longa quatro anos após o início da pandemia mais mortal do último século.

Distantes dos confinamentos de 2020, é tentador pensar que a pandemia acabou, que estamos imunes e que ninguém mais ficará doente. Contudo, ela ainda faz parte de nossas vidas, embora menos pessoas contraiam covid-19 atualmente. Além disso, como Maria e tantos outros aprenderam da maneira mais difícil, a covid-19 longa também pode ser mortal.

Para aqueles que apresentaram covid-19 longa recentemente, pode parecer que o mundo inteiro superou a pandemia e eles estão ficando para trás.

Muito fácil baixar a guarda
“É realmente difícil prevenir a exposição à covid-19, não importa quão cuidadoso você seja e quantas vezes você seja vacinado”, disse a Dra. Akiko Iwasaki, Ph.D., professora de imunologia na Yale School of Medicine, nos EUA, e pioneira em pesquisas sobre covid-19 longa. A Dra. Akiko apontou imediatamente que “nunca devemos culpar ninguém por ter covid-19 longa, porque não existe uma maneira infalível de evitar o quadro”, embora pesquisas mostrem que é possível aumentar a proteção por meio de vacinação, uso de máscara e boa ventilação de ambientes internos.

Além disso, não contrair covid-19 por muito tempo depois de se infectar uma vez não significa que é impossível ter a doença novamente, como Maria já aprendeu duas vezes. Ela teve covid-19 longa em 2022, após a segunda vez que se infectou com vírus, e apresentou problemas respiratórios e confusão mental por vários meses.

Vale lembrar que os quadros subsequentes de covid-19 longa não são necessariamente iguais. Embora Maria tenha voltado a apresentar confusão mental, na segunda vez que teve a doença ela não apresentou os problemas respiratórios que a atormentaram em 2022. Em vez disso, ela teve cefaleias tão insuportáveis que pensou que estava morrendo de aneurisma cerebral.

Um estudo publicado em maio no periódico Journal of the American Medical Association identificou os 37 sintomas mais comuns de covid-19 longa, organizando subgrupos de sintomas que ocorreram em 80% dos quase 10 mil participantes da pesquisa. É importante destacar que os sintomas que os pacientes com covid-19 longa apresentam agora são ligeiramente diferentes dos que observávamos durante o período mais grave da pandemia, ou pelo menos é o que os médicos estão constatando na Post-COVID Recovery Clinic, ligada ao University of Pittsburgh Medical Center.

O Dr. Michael Risbano, médico e um dos diretores da clínica, disse que menos pacientes apresentam danos pulmonares agora do que no passado, mas uma parcela constante relata problemas como confusão mental, esquecimento, intolerância ao exercício (dispneia e fadiga aos exercícios e dificuldade em realizar qualquer tipo de atividade de esforço) e mal-estar pós-esforço (sensação de esgotamento ou fadiga por horas ou até dias após realizar atividade física ou mental).

Tratamentos para covid-19 levam a melhoras, porém lentamente
“Ainda não existe uma maneira ideal de tratar nada disso”, disse o Dr. Michael, cuja clínica está envolvida no estudo RECOVER-VITAL do National Institute of Health dos EUA, que está avaliando possíveis tratamentos com Paxlovid e exercícios para tratar disfunções autonômicas que se assemelham a encefalomielite miálgica/síndrome da fadiga crônica e síndrome de taquicardia postural, intolerância ao exercício e efeitos neurocognitivos, como confusão mental.

O Dr. Michael e seus colaboradores constataram que a fisioterapia e o treinamento físico ajudaram pacientes com intolerância ao exercício e problemas neurocognitivos. “Não é uma coisa rápida, não é simplesmente ir a uma consulta e melhorar no dia seguinte”, frisou. “É preciso dedicar um pouco mais de tempo e esforço, fazer o dever de casa; não existem soluções mágicas nem medicamentos mágicos.”

Uma solução rápida definitivamente não estava entre as opções do Dr. Dean Jones, Ph.D., que mal conseguia se mover quando apresentou covid-19 longa em maio de 2023. Com 74 anos, o bioquímico e professor de medicina na Emory University, nos EUA, recuperou-se totalmente na primeira vez que teve covid-19, em agosto de 2022, mas teve uma experiência muito diferente na segunda vez. Ele já havia sido vacinado quatro vezes quando começou a sentir fadiga crônica, enxaquecas intensas induzidas por esforço, congestão grave das vias respiratórias, confusão mental e dispneia. Os sintomas começaram no final de maio e pioraram ao longo do mês seguinte.

Sua frequência cardíaca em repouso começou a acelerar mesmo quando ele estava dormindo, saltando de 53 para 70 batimentos por minuto. “Foi quase como se o vírus tivesse atingido o meu coração e não apenas os pulmões”, disse ele.

Os médicos prescreveram vários medicamentos inalatórios e glicocorticoides para abrandar o sistema imunológico do Dr. Dean. Os piores sintomas começaram a diminuir depois de algumas semanas, mas os mais graves continuaram por dois meses, limitando de forma importante suas atividades. Embora ele já não dormisse mais durante o dia todo, o simples caminhar de um cômodo para outro era exaustivo. Como cientista dedicado, ele costumava trabalhar de 10 a 15 horas por dia antes de ficar doente, e teve a sorte de conseguir se concentrar em tarefas relacionadas ao trabalho — mesmo que por uma pequena fração desse tempo.

Embora a migrânea tenha desaparecido logo no início, as cefaleias permaneceram até meados de outubro. O nível de energia do Dr. Dean voltou gradualmente e no Natal ele estava começando a se sentir saudável, como era antes de maio, quando contraiu covid-19.

Mesmo assim, ele não se queixa da demora para se livrar dos sintomas. “Aos 74 anos, há muitos colegas que já faleceram”, disse ele. “Eu respeito as dificuldades que vêm com a minha idade. Foram tantas as pessoas que morreram de covid-19 que estou grato por ter tomado essas vacinas. Estou grato por ter superado tudo isso e conseguido me recuperar.”

O tempo ajuda na cura, mas o tratamento imediato é necessário
A recuperação é a norma para a maioria dos pacientes com covid-19 longa, disse a Dra. Lisa Sanders, médica e diretora clínica da Yale New Haven Health Systems Long COVID Consultation Clinic, inaugurada em março de 2023. Embora a clínica tenha um pequeno grupo de pacientes que apresentaram o quadro desde 2020, “as pessoas que se recuperam — que são a maioria — seguem em frente”, disse ela. “Até alguns pacientes, que às vezes esperam um mês ou mais para a consulta, me dizem: ‘Já estou começando a melhorar. Não tinha certeza se deveria vir ou não’.”

Maria também está se recuperando, mas só depois de muitas idas ao pronto-socorro e consultas com um neurologista entre o final de dezembro e o início de janeiro. A terceira ida ao pronto-socorro foi motivada por um breve episódio em que ela perdeu a sensibilidade nas pernas e começou a ter movimentos involuntários nesses membros. Uma tomografia computadorizada mostrou vasos sanguíneos muito contraídos em seu cérebro, levando a equipe médica a especular que ela poderia ter síndrome de vasoconstrição cerebral reversível e que isso poderia estar causando as intensas cefaleias em trovoada.

Depois que sua terceira crise de cefaleia provocou uma quarta consulta ao pronto-socorro, novos exames confirmaram a síndrome de vasoconstrição cerebral reversível, que os médicos disseram estar relacionada à inflamação causada pela covid-19. Maria foi então internada e recebeu por quatro dias um esquema de medicação para controlar a pressão arterial, magnésio para minimizar as cefaleias e oxicodona para controle da dor.

O programa de TV em que Maria trabalha voltou a ser produzido após as férias. Ela voltou no final de janeiro. Ela ainda tem cefaleias, embora sejam menos intensas, e ainda toma remédios. Ela realizará novos exames para avaliar seus vasos sanguíneos em fevereiro.

Maria ainda não se perdoou por ter ignorado a última dose de reforço da vacina anticovídica, embora não haja garantias de que isso a teria impedido de adoecer. Sua mensagem para os outros é: melhor estar seguro do que se lamentar depois.

“Jamais serei convencida por pessoas que não acreditam em vacinas, porque acredito na ciência e acredito nas vacinas — é por causa delas que as pessoas não morrem mais aos 30 anos”, disse ela. “Eu realmente acho que as pessoas precisam saber mais sobre [a covid-19 longa] e saber o que esperar, porque é horrível. É muito doloroso. Eu gostaria que nunca ninguém passasse por isso. Nunca.”

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

Fonte: Medscape Brasil